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Pena que as vassouras não venham de França, como as cegonhas

26 de Agosto de 2021


O CNRS – centro nacional de investigação científica – acaba de meter na ordem, sem o nomear, um dos seus directores de pesquisa em sociologia por se pronunciar publicamente sobre assuntos para os quais não está habilitado.
O sociólogo Laurent Mucchielli publicou, desde março de 2020, sessenta e três análises dedicadas à pandemia, a última das quais contra a vacinação em massa.
Para conhecer os pormenores, basta seguir o ‘link’ de acesso à notícia do “Monde”.
Os contornos da história, uma autêntica vassourada do CNRS nos opinadores ad hoc, justificam algumas observações. (João Alferes Gonçalves)

» Le sociologue Laurent Mucchielli rappelé à l’ordre par le CNRS (“Le Monde”)

A primeira observação diz respeito ao modo firme e claro como o CNRS, um organismo de referência mundial, desautoriza os cientistas que se atrevem a comentar assuntos para os quais não estão devidamente qualificados.

Cientistas mais preocupados com «uma efémera glória mediática do que com a verdade científica». Sabemos o que isso é. Há largos meses que o espaço mediático português tem sido povoado por esse tipo de cientistas.

Mas sabemos mais: como os media seleccionam e procuram determinadas “autoridades” científicas, sabendo de antemão qual vai ser a opinião expressa. E como as pretensas explicações que acompanham essas opiniões têm contribuído, em alguns casos, para lançar a confusão na opinião pública. Porque balizadas mais em critérios políticos do que científicos.

A segunda observação é motivada pelo silêncio dos media portugueses em relação à tomada de posição de um organismo com o prestígio do CNRS sobre um fenómeno que é comum no panorama mediático português. Silêncio que contrasta com o eco estridente de qualquer declaração proveniente do outro lado do Atlântico. Provavelmente porque as cegonhas que vêm dessa direcção trazem mais coisas no bico.

Terceira observação: Afeganistão à parte, se há tema que cai em plena actualidade no universo mediático português é a declaração do CNRS seguida da despublicação, por Mediapart (perto de 220 mil assinantes), do artigo de Mucchielli por estar recheado de «falsas informações».

A analogia com a decisão do “Público” relativa a um artigo do anestesiologista Pedro Girão não pode ser mais evidente. E ninguém em França acusou de censura a chefia de Mediapart ou deu provas de qualquer sobressalto.

Pessoalmente, mais do que a publicação ou despublicação de opiniões preocupa-me aquilo a que chamarei, por força do mote, a impublicação de opiniões. Dito de outro modo, a ausência de discussão crítica de questões essenciais para os media e para a sua relação com o público. Questões, em alguns casos, determinantes para a liberdade, o pluralismo e a democracia.

26 agosto 2021
João Alferes Gonçalves

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