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O Afeganistão, pois então!

19 de Agosto de 2021


É o tema do momento e vai durar mais que o coelho das pilhas, mas quanto mais se vê e se ouve maior é a certeza de que não há muita gente a saber sobre o que escreve ou fala.
Os media portugueses têm subordinado a análise à perspectiva ideológica superficial, como é seu timbre em tudo o que se relaciona com os EUA. Desde a realidade das sociedades da América Latina à disputa económica e tecnológica com a China.
Em situações de crise, espera-se dos comentadores convidados ou permanentes dos media, apresentados como especialistas, uma análise fundamentada e previsões de evolução da situação. A generalidade dos comentadores que ouvi não só se mostraram incapazes de analisar o que se passou no Afeganistão, designadamente o fulminante colapso da administração e das forças armadas, como afinaram pelo diapasão de se refugiarem na resposta fácil: vamos esperar o que vão fazer a Rússia e a China. Como se isso fosse uma equação a 20 incógnitas.
É claro que vão fazer o que sempre fizeram e que é defender os seus objectivos estratégicos. O Grande Jogo pode não ter existido como na versão romanceada de Kipling, mas é uma realidade estratégica numa região onde se chocam, como placas tectónicas, os interesses de praticamente metade da população mundial. E a estratégia está, naturalmente, acima da ideologia. (João Alferes Gonçalves)

Dois textos cuja leitura sugiro para se perceber o que se passou no Afeganistão nos últimos 20 anos mostram, de facto, que há obstáculos inultrapassáveis, objectivos inatingíveis e contradições insanáveis. Refiro-me a um artigo de Carlos Matos Gomes sobre a aventura americana e a um conjunto de notas do coronel Nuno Pereira da Silva sobre a realidade das forças armadas do Afeganistão. Basta seguir os respectivos ‘links’.

Como exemplo da perspectiva enviesada dos media, deixo um editorial do director do “Público” orientado para o combate ideológico ao Bloco de Esquerda em defesa do bom nome dos EUA. A resposta de Catarina Martins não poupa Manuel Carvalho.

À margem desse confronto, não posso deixar de notar que a exaltação por Manuel Carvalho dos direitos das mulheres no Afeganistão ocupado contradiz a acção dos EUA há 50 anos, quando arregimentaram a fina flor do radicalismo islâmico para derrubar o governo laico de esquerda que iniciara reformas sociais no país, designadamente, o reconhecimento dos direitos das mulheres. Nesse plano estratégico que se prolongou durante a intervenção soviética, os EUA não só financiaram e armaram os mujahedin como balizaram a doutrinação radical que estabeleceu as bases da AlCaida e dos Talibã.

E a propósito de Talibã, aproveito o ensejo para sugerir ao director do “Público” que acabe con essa originalidade de chamar ‘Taliban’ aos Talibã. A palavra está dicionarizada em português como Talibã e a terminação em ‘n’ não é natural na língua portuguesa.

João Alferes Gonçalves

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