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Clube de Jornalistas 25_40_50 | Entrevista ao encenador Tiago Rodrigues (c/vídeo)

27 de Setembro de 2022


O encenador Tiago Rodrigues apelou hoje, em entrevista ao Clube de Jornalistas, a uma mudança de visão política, um “pacto de regime”, de investimento na criação artística, alertando que, “a prazo, vai ser a asfixia total” do setor cultural.

“Estamos tão longe, tão atrasados historicamente, que é preciso uma decisão por um ano, uma legislatura, que a Cultura e as Artes fossem uma prioridade política. O que faz falta – além de animar a malta – é mudar a realidade absolutamente ridícula daquilo que é o investimento do Estado na criação artística. Enquanto a realidade não mudar todas as ótimas ideias vão falhar”.

O encenador e dramaturgo português respondia assim a uma pergunta sobre o que falta no teatro em Portugal, numa entrevista em Lisboa, promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social, com o patrocínio da Associação Mutualista Montepio e o apoio da Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, no âmbito dos 50 anos das comemorações do 25 de Abril e dos 40 anos do Clube de Jornalistas.

Tal como na edição anterior, com uma entrevista ao primeiro-ministro António Costa, cinco gerações de jornalistas colocaram 25 perguntas a Tiago Rodrigues. Foram eles José Carlos de Vasconcelos (Jornal de Letras), Francisco Sena Santos, Maria Augusta Gonçalves (Lusa), Maria João Costa (Rádio Renascença) e Miguel Franco de Andrade (SIC), conduzidos por Daniel Belo (Antena3).

Tiago Rodrigues, diretor do Festival de Avignon, em França, quer que a Cultura “por uma vez seja tratada com um mínimo de dignidade”, aumentando o financiamento do que é o serviço público de Cultura.

“A nossa criação artística é de uma excelência absolutamente inesperada para aquilo que são as infraestruturas, a capacidade e a forma como o Estado se comporta junto da criação artística. Da minha experiência comparativa com o resto da Europa, o que nós conseguimos fazer com tão pouco é absolutamente admirável, mas torna-se trágico”, disse.

No entender do dramaturgo português, “a prazo vai ser a asfixia total, tem sido uma asfixia lenta, mas ela vai acontecer se não houver uma mudança fundamental”, sublinhando que têm sido as companhias independentes a garantir “que há uma política cultural desde 1974”.

Questionado sobre o Estatuto dos Profissionais da Cultura, Tiago Rodrigues descreveu-o como “uma iniciativa interessante”, mas que se depara “com uma grande impossibilidade de ser posta em prática”.

“Companhias que não têm meios não vão conseguir cumprir a lei a menos que terminem essencialmente enquanto companhias. Podemos acabar com um ótimo estatuto, que gere uma economia que é tão precária que não vai cumprir o estatuto nem os portadores podem beneficiar dos direitos que ele oferece”.

Tiago Rodrigues encara 25 de Abril com gratidão e luta diária pelos seus valores

Durante a entrevista, Tiago Rodrigues, nascido em 1977, falou também da forma como vê a Revolução dos Cravos e como lida com esse passado, atendendo a que todo o seu teatro joga com a memória e com muito do que não viveu diretamente.

“Cresço rodeado de pessoas que me contam o que é viver em ditadura, que me falam da importância de ter sido conquistada a democracia, da sorte de ter nascido e crescido em democracia, portanto, de alguma forma, a minha educação e os meus valores hoje estão muito ensopados em gratidão por aqueles que se sacrificaram, que se bateram para eu poder estar aqui a vontade a falar convosco sem termos problemas com isso, ou se tivermos é porque ainda há uns resíduos, mas à partida ninguém nos vai dizer que isto não pode ser visto, lido, ouvido, seja por quem for, e esse é só um dos direitos conquistados em Abril de 74 e cuja conquista é um prática diária”, afirmou.

O dramaturgo e encenador afirmou que a sua prática diária de defesa dos valores da liberdade, como se estivessem “permanentemente em perigo”, é também uma forma de “agradecer a todos os que se bateram”.

“Muito do meu compromisso político tem a ver com pensar o que eu posso ter e outros antes não puderam, para que eu tenha essa oportunidade hoje”.

Agência Lusa

Assinalando que provavelmente seria impensável alguém estar à frente do Festival de Avignon durante a ditadura, e que seria impensável ter o percurso que teve, se não fosse “o 25 de Abril graças àqueles que se bateram e perderam muito, que se sacrificaram muito, que sofreram” para que pudesse ter o que hoje o “enche de alegria”, Tiago Rodrigues sublinha que uma parte dessa alegria é bater-se “como se esse percurso estivesse em risco, como se aquilo que foi conquistado por outros tivesse de ser conquistado de novo”.

“Porque tem, diariamente, essa é a minha convicção, diariamente a prática da liberdade de expressão é uma prática que conquista o direito à liberdade de expressão, diariamente. E se não a praticarmos, se não dissermos ‘beleza de matar fascistas’ como uma provocação num título, amanhã não podemos dizer, e quando não pudermos dizer, houve qualquer coisa que eu não fiz por aqueles que se bateram para eu poder ter um título imbecil, insólito, insultuoso talvez, mas um título que só é possível porque outros se bateram para que esse título existisse”, frisou

Para Tiago Rodrigues, que assumiu em setembro a direção do festival de teatro de Avignon, em França, essa prática é o seu “gesto de gratidão”, é a sua “forma de dizer obrigada”, é a sua “forma de abraçar o Salgueiro Maia”.

Para o encenador e dramaturgo Tiago Rodrigues, o espetáculo “Catarina e a beleza de matar fascistas” tem uma “dimensão profética” que não desejava e da qual não se pode alhear perante as eleições em Itália.

“Hoje quando estivermos a ensaiar essa cena, eu não posso não pensar em Itália. Há coisas que não tinham acontecido há três anos. Parece que a peça tem uma dimensão profética que eu não desejava”, afirmou Tiago Rodrigues, numa entrevista promovida pelo Clube de Jornalistas, em parceria com a agência Lusa e a Escola Superior de Comunicação Social, no âmbito dos 50 anos das comemorações do 25 de Abril e dos 40 anos do clube.

O encenador respondia a uma pergunta sobre a forma como o público tem reagido ao final da peça, durante um discurso de extrema-direita de uma personagem fascista (interpretada por Romeu Costa), com vaias, apupos e abandono da sala.

“Aprendemos que isso ia acontecer, quando estreámos em Guimarães”, afirmou, contando que essa situação criou uma crise entre os atores e o encenador, “houve náuseas”, discutiu-se se se mantinha a cena.

Partindo do “princípio de que o público é mais inteligente do que eu, aceito a legitimidade que não querer determinada peça ou estar interessado em determinada proposta”, disse Tiago Rodrigues, considerando que essa opção “não passa por maturidade, mas por ter tanta confiança no teatro, que a convenção desmancha-se”. 

“Somos tão embalados pela peça que, no final, quando o discurso de extrema-direita ocupa o palco inesperadamente durante meia hora, o público coloca em pausa, suspende a sua distância em relação ao teatro”, disse o agora diretor do Festival de Avignon. O dramaturgo confessou que não sabia se isso era bom ou não, mas está convicto de que “é um grande evento”.

“O público sabe que é um ator a dizer aquelas palavras, mas o discurso é tão insuportável, tão provocatório que o público não pode senão reagir”.

“Em Portugal, têm cantado a ‘Grândola’, em Itália, a ‘Bella Ciao’, em Viena, o público levantou-se. Ver esses públicos reagir é algo que me devolve confiança, mas ao mesmo tempo preocupa-me que o público tão facilmente se revolte contra um ator”, acrescentou.

Tiago Rodrigues começou a entrevista comentando o pedido de um deputado italiano, eleito pelos Irmãos de Itália (partido mais votado nas eleições de domingo, em Itália), para que o espetáculo “Catarina e a beleza de matar fascistas” fosse retirado de cartaz.

“Vemos esta ameaça desenvolver-se de uma forma que põe em causa uma ideia de democracia, de continente europeu, como continente democrático. Lido com isto tentando colocar as questões, com a possibilidade de conseguir colocar a questão da melhor maneira em palco”, explicou. 

“Catarina e a beleza de matar fascistas” propõe uma distopia em que a extrema-direita venceu e centra-se numa família que há gerações mata fascistas, até que um dos elementos mais novos da família, Catarina, quebra essa “tradição” opondo-se a ela, com o argumento de que todas as vidas devem ser defendidas e que é preciso dialogar mais, não com os fascistas, mas com as pessoas que votam nos fascistas.

No final, o espetáculo termina com a vitoria do fascismo e com o monólogo de extrema-direita. 

“Tem de acabar assim porque é uma tragédia. Tal como se dizia que Sófocles era um ‘bom vivant’, mas depois escreve ‘Antígona’ e Antígona morre no fim. Ali o que acontece é a vitória da extrema-direita pela incapacidade, a impossibilidade de uma democracia, naquele caso uma família que quer defender a democracia pela violência e mesmo assim é incapaz de impedir a vitória de um discurso fascista e antidemocrático”.

A ideia foi mesmo colocar em palco um discurso que muitos dos espetadores abominam, mas como “o teatro ainda é um lugar revolucionário”, as pessoas são expostas a esse discurso quando não esperavam que esse discurso emergisse. “Ouvir esse discurso no teatro com pensamento crítico de espectador, é fazer raio x daquele discurso”.

Tiago Rodrigues destaca bem a diferença entre fazer certas afirmações enquanto artista ou enquanto político: “Quando digo ‘vão para a vossa terra’ [numa peça de teatro], é enquanto ficção, se digo como deputado, há uma violência que não pode ser encontrada numa obra de arte”.

O Clube de Jornalistas vai assinalar os 50 anos do 25 de Abril com um ciclo de entrevistas coletivas a personalidades da vida pública nacional, em parceria com a Agência Lusa e a ESCS – Escola Superior de Comunicação Social, com o patrocínio da Associação Mutualista Montepio e o apoio da Comissão comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.

“Clube de Jornalistas 25_40_50” é o nome deste programa de entrevistas, que se irá realizar três a quatro vezes por ano, entre abril de 2022 e abril de 2026, assim acompanhando o arco temporal das comemorações oficiais dos 50 anos do 25 de Abril.

Vídeo integral da entrevista no YouTube: https://youtu.be/DxTkgmWENfo (Clube de Jornalistas) ou https://youtu.be/c8WS4D9eHe0 (Agência Lusa)
Áudio integral da entrevista no Anchor/Spotify: https://anchor.fm/clubedejornalistas/episodes/Clube-de-Jornalistas–Entrevista-a-Tiago-Rodrigues-e1ofal1
Facebook: https://www.facebook.com/ClubeJornalistas
Instagram: https://www.instagram.com/p/CjBYe5Qq1GG

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1 Comentário »

  • Clube de Jornalistas » Tiago Rodrigues no Clube de Jornalistas 25_40_50 said:

    […] Depois da primeira entrevista de António Costa após a sua reeleição, foi a vez de Tiago Rodrigues, encenador de 45 anos, antigo diretor do Teatro Nacional D. Maria II, conceder a primeira entrevista à imprensa portuguesa como diretor do Festival de Avignon. Tal como na edição anterior, a entrevista foi conduzida por cinco gerações de jornalistas. Foram eles José Carlos de Vasconcelos (Jornal de Letras), Francisco Sena Santos, Maria Augusta Gonçalves (Lusa), Maria João Costa (Rádio Renascença) e Miguel Franco de Andrade (SIC), com moderação de Daniel Belo (Antena3). Ler artigo […]

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