Apartheid informal (Daniel Oliveira)
« (…) Pobre não tem direito à privacidade. Quando são infetados, os “portugueses de bem” ficam doentes. Os de Rabo de Peixe ficam criminosos.
A discriminação é evidente: a freguesia de Ponta Garça assistiu ao fim da cerca sanitária a 22 de janeiro, quando tinha 56 casos em 3500 habitantes. A cerca a Rabo de Peixe, que será reavaliada na segunda-feira, já foi circunscrita à zona mais pobre da vila, mas a polícia fiscaliza, nas ruas onde há infetados, se eles saem de casa. Se isto é necessário, alguém o vê, por esse país fora, em localidades com forte incidência de infetados mas com outra composição social? Ou nas marginais cheias de domingueiros? Basta ler comentários nas redes açorianas para perceber que os infetados de Rabo de Peixe são vistos como culpados, não como vítimas. À falta de ciganos…
Mas o grave nem é isto. Em nome da privacidade, muitos resistiram ao uso obrigatório do StayAway Covid. Esta semana, a Direção Regional de Saúde divulgou um mapa da vila de Rabo de Peixe com a georreferenciação dos infetados. Para quem conheça a vila, é facílimo identificar as suas casas. Violando a lei de proteção de dados, a imagem foi difundida pelo “Diário dos Açores” e pela RTP Açores. Porque o pobre não tem direito à privacidade.
Quando são infetados, os “portugueses de bem” ficam doentes. Os de Rabo de Peixe ficam criminosos. A pandemia revelou a nossa desigualdade, a começar pela mais primária de todas: a que garante direitos constitucionais diferentes conforme a condição social de cada um. É uma espécie de apartheid informal.»
(Daniel Oliveira, “Expresso Diário”, 27 fevereiro 2021)
Nem mais…
Comente esta notícia.