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Ruído a mais, bom senso a menos

9 de Fevereiro de 2021


Ao fim de um ano de pandemia alinho com um sentimento que me parece estar-se generalizando, segundo o qual vai sendo difícil distinguir o que é pior, se a pandemia se a tormenta da massiva, oportunista e tantas vezes especulativa informação sobre ela veiculada pela comunicação social, com destaque para as TV’s. (Pedro Pezarat Correia)

Estava longe de pensar que no meu país houvesse tanto especializado em saúde pública e, pasme-se, na gestão de pandemias! Mas atenção: o que acima de tudo se busca, se divulga, se debate, é o escândalo. Somos um povo de especialistas em escândalos.

Como cidadão confio na forma como os responsáveis do meu país, políticos e profissionais do SNS, têm enfrentado a pandemia. Não particularizo a sua ação em relação a mim, a este ou aquele. Interessa-me como a tem gerido em benefício do coletivo, de todos nós. Mesmo quando, em finais de janeiro, os índices assustavam e nos colocavam à testa dos mais afetados pelo COVID. Ouvia as críticas ao que se fazia, quase sempre casuísticas e sem adiantarem como fazer melhor. Em contraste com análises pedagógicas e fundamentadas de alguns profissionais, que as há, chocam-me as diatribes de quem se espera um discurso responsável, científico, deontológico, institucional, como o bastonário da Ordem dos Médicos e a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, alarmistas e reivindicativas mais próprias de militantes sindicais ou agitadores políticos.

Tenho, pelos profissionais da saúde, nomeadamente desde que há mais de duas décadas me tornei assíduo dos hospitais devido à prolongada doença de minha mulher, um enorme respeito e consideração. A competência, dedicação, desvelo de todos e de todas as áreas, medicina, enfermagem, técnica de diagnóstico, fisioterapia, psicologia, serviços auxiliares, deixou-me uma imagem de excelência. Imagem que hoje, com a forma como têm enfrentado esta tragédia, é a de verdadeiros heróis. Estou convicto que a grande maioria de médicas e médicos, de enfermeiras e enfermeiros, não se revê nas declarações públicas dos seus bastonários.

Nos últimos dias o alvo das especulações tem sido a vacina. Meia dúzia de casos, de condenável aproveitamento oportunista mas absolutamente marginais, fizeram a volúpia de noticiaristas e comentadores. É uma obcecada caça ao escândalo, em vez de realçarem a normalidade geral em que o processo tem decorrido e de contribuírem para tranquilizar uma sociedade já tão traumatizada. Não vejo todos os programas, obviamente, mas o que vi da vaga infamante que se abateu sobre o dr. Francisco Ramos (FR), coordenador da task force da vacinação, que dignamente se demitiu por considerar que um caso ocorrido no hospital onde é administrador, mas à margem de qualquer responsabilidade sua direta, fragilizava a sua autoridade na task force, indignou-me. Permito-me salientar um exemplo.

No programa na TVI 24 agora chamado “Circulatura do Quadrado” e que mais corretamente deveria chamar-se “Círculo Fechado do Triângulo do Arco da Governação” (para manter a genética simbologia geométrica), sobre o qual já várias vezes expressei as minhas reservas, Lobo Xavier (LX), demagogo de punhos de renda e voz do CDS naquele painel pontificou, com as suas usuais catilinárias contra a esquerda, desta vez apontadas a FR. Chamou-lhe boy do PS e acusou-o de falta de autoridade moral para coordenar a task force por ter manifestado apoio à candidata Marisa Matias (MM)! Espantoso! António Costa, primeiro ministro, pôde manifestar apoio a Marcelo Rebelo de Sousa (MRS). O mesmo fez Ferro Rodrigues presidente da AR. Vários ministros e detentores de altos cargos declararam apoios a candidatos. Ele próprio, LX, conselheiro de Estado, declarou apoio a MRS. Tudo normal. Mas o coordenador de uma task force declarar apoiar MM é um escândalo. Pela função que desempenhava? Evidentemente que não, o pecado foi por ser em MM. Tivesse FR declarado apoio em MRS e ninguém se escandalizaria. Muito menos LX! Evidentemente que no dia seguinte, no frente e frente da RTP 3 em que regularmente participa, lá estava Nobre Guedes, também do CDS (nas TV’s o que não falta são comentadores do CDS), a repetir as catilinárias de LX.

Enfim, muito ruído, que é o que menos falta para o clima de confiança e tranquilidade que precisamos e os profissionais da saúde agradecem.

Termino pela positiva. Ramalho Eanes, com a autoridade e credibilidade que todo o seu percurso cívico lhe confere, em entrevista à RR no passado dia 5 procurou introduzir neste contexto algum equilíbrio e sentido de responsabilidade. “As trapalhadas da vacinação não terão sido tão graves como o ruído na comunicação social aparenta” disse ele. E acrescenta, “há muito ruído e toda a gente emite opiniões e comentários.”

Pois é, meu prezado General e Amigo. Temos ruído a mais e bom senso a menos. Será atávico? 


Pedro Pezarat Correia – 6 fevereiro 2021 – Blogue ‘A viagem dos argonautas’

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