Juizes por encomenda e sentenças pré-cozinhadas (Alfredo Cunha)
Contrariamente ao que se possa pensar a propósito das investigações em curso no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), as suspeitas de fraude na distribuição dos processos judiciais não são de agora. A escolha do juiz mais conveniente à causa de quem tem dinheiro para pagar a batota é prática que se arrasta no tempo. Prova disso é a denúncia que fiz dessa viciação no “Jornal de Notícias” (JN), há cerca de 25 anos. Desmascarei também as “farsas” de julgamentos nos tribunais da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça.
Em 13 de Junho de 1996, assinei no JN um texto a que foi dado o título: “SUSPEITA DE “FRAUDE” COM A DISTRIBUIÇÃO DE PROCESSOS JUDICIAIS”. E a notícia começava assim:” Há suspeitas de irregularidades nos tribunais com a distribuição dos processos”. A viciação consistia em manipular o sorteio a quem o processo seria distribuído e, assim, permitir escolher o juiz suscetível de decidir de acordo com os interesses de quem subornou.
Ainda segundo essa minha notícia, os primeiros a desconfiar da existência dessas “falcatruas eram os próprios magistrados”. Falava-se, então, mais em surdina ou mais abertamente, que corria “dinheiro debaixo de mão” para que os processos fossem parar ao “juízo mais conveniente” aos interesses de quem pagava para isso.
Recordo que no Tribunal de S. João Novo (Porto) era então notoriamente conhecida a severidade do juiz Augusto Vieira particularmente em relação aos crimes de especulação e contra a saúde pública. E daí as tentativas subterrâneas para que os processos não fossem para ele. Também no Tribunal Cível do Porto, a nível de ações de despejo, eram conhecidas as movimentações de bastidores no sentido de as encaminhar para este ou aquele magistrado, uns mais favoráveis às teses dos senhorios e outros mais propensos às dos inquilinos.
Alegando que a distribuição tinha sido “viciada”, o juiz Pedro Donnas Botto recusou-se mesmo, nesse ano de 1996, a receber um processo, devolvendo-o para nova distribuição, facto ocorrido no Tribunal de S. João Novo.
Ainda segundo tal notícia, já em Novembro de 1984, portanto há mais de 35 anos, o então juiz Mário Cruz, que na altura presidia aquele tribunal, teve necessidade de intervir nessa área. De acordo com um despacho seu, com o sistema ali adotado “frustra-se completamente a isenção a que deve presidir uma correta distribuição do serviço e abre-se a porta para os mais insondáveis desígnios…”
E que dizer das “encenações” nos tribunais superiores em que desembargadores já levavam no bolso os acórdãos antes mesmo do início das audiências? No meu livro “UM REPÓRTER INCONVENIENTE-Bastidores do jornalismo de investigação”, da Chiado Editora, revelei o impensável, num capítulo subordinado ao título “JULGAMENTOS ENCENADOS”, onde assumi a violação de um segredo da justiça.
E o segredo violado foi a “farsa” de julgamentos nos tribunais e no Supremo Tribunal de Justiça, em que o acórdão final já estava “cozinhado” mesmo antes do início das audiências, segundo os testemunhos recolhidos. Ou seja, muitas dessas sessões não passariam de “simulacros” de julgamentos, uma autêntica “farsa de juízes, de magistrados do Ministério Público e de advogados”.
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