Estatuto do Jornalista
CAPÍTULO I
Dos jornalistas
Artigo 1.º
Definição de jornalista
1 – São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem funções de pesquisa, recolha, selecção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação informativa pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por outra forma de difusão electrónica.
2 – Não constitui actividade jornalística o exercício de funções referidas no número anterior quando desempenhadas ao serviço de publicações de natureza predominantemente promocional, ou cujo objecto específico consista em divulgar, publicitar ou por qualquer forma dar a conhecer instituições, empresas, produtos ou serviços, segundo critérios de oportunidade comercial ou industrial.
Artigo 2.º
Capacidade
Podem ser jornalistas os cidadãos maiores de 18 anos no pleno gozo dos seus direitos civis.
Artigo 3.º
Incompatibilidades
1 – O exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de:
a) Funções de angariação, concepção ou apresentação de mensagens publicitárias;
b) Funções remuneradas de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de orientação e execução de estratégias comerciais;
c) Funções em qualquer organismo ou corporação policial;
d) Serviço militar;
e) Funções de membro do Governo da República ou de governos regionais;
f) Funções de presidente de câmara ou de vereador, em regime de permanência, a tempo inteiro ou a meio tempo, em órgão de administração autárquica.
2 – É igualmente considerada actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo o recebimento de ofertas ou benefícios que, não identificados claramente como patrocínios concretos de actos jornalísticos, visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade do jornalista, independentemente de este fazer menção expressa aos produtos, serviços ou entidades.
3 – O jornalista abrangido por qualquer das incompatibilidades previstas nos números anteriores fica impedido de exercer a respectiva actividade, devendo depositar junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista o seu título de habilitação, o qual será devolvido, a requerimento do interessado, quando cessar a situação que determinou a incompatibilidade.
4 – No caso de apresentação de mensagens publicitárias previstas na alínea a) do n.º 1 do presente artigo, a incompatibilidade vigora por um período mínimo de seis meses e só se considera cessada com a exibição de prova de que está extinta a relação contratual de cedência de imagem, voz ou nome de jornalista à entidade promotora ou beneficiária da publicidade.
Artigo 4.º
Título profissional
1 – É condição do exercício da profissão de jornalista a habilitação com o respectivo título, o qual é emitido por uma Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com a composição e as competências previstas na lei.
2 – Nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado, nos termos do número anterior, salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão.
Artigo 5.º
Acesso à profissão
1 – A profissão de jornalista inicia-se com um estágio obrigatório, a concluir com aproveitamento, com a duração de 24 meses, sendo reduzido a 18 meses em caso de habilitação com curso superior, ou a 12 meses em caso de licenciatura na área da comunicação social ou de habilitação com curso equivalente, reconhecido pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
2 – O regime do estágio, incluindo o acompanhamento do estagiário e a respectiva avaliação, será regulado por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas do emprego e da comunicação social.
CAPÍTULO II
Direitos e deveres
Artigo 6.º
Direitos
Constituem direitos fundamentais dos jornalistas:
a) A liberdade de expressão e de criação;
b) A liberdade de acesso às fontes de informação;
c) A garantia de sigilo profissional;
d) A garantia de independência;
e) A participação na orientação do respectivo órgão de informação.
Artigo 7.º
Liberdade de expressão e de criação
1 – A liberdade de expressão e de criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer forma de censura.
2 – Os jornalistas têm o direito de assinar, ou fazer identificar com o respectivo nome profissional registado na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, os trabalhos da sua criação individual ou em que tenham colaborado.
3 – Os jornalistas têm o direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis.
Artigo 8.º
Direito de acesso a fontes oficiais de informação
1 – O direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas:
a) Pelos órgãos da Administração Pública enumerados no n.º 2 do artigo 2.º do Código do Procedimento Administrativo;
b)Pelas empresas de capitais total ou maioritariamente públicos, pelas empresas controladas pelo Estado, pelas empresas concessionárias de serviço público ou do uso privativo ou exploração do domínio público e ainda por quaisquer entidades privadas que exerçam poderes públicos ou prossigam interesses públicos, quando o acesso pretendido respeite as actividades reguladas pelo direito administrativo.
2 – O interesse dos jornalistas no acesso às fontes de informação é sempre considerado legítimo para efeitos do exercício do direito regulado nos artigos 61.º a 63.º do Código do Procedimento Administrativo.
3 – O direito de acesso às fontes de informação não abrange os processos em segredo de justiça, os documentos classificados ou protegidos ao abrigo de legislação específica, os dados pessoais que não sejam públicos dos documentos nominativos relativos a terceiros, os documentos que revelem segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade literária, artística ou científica, bem como os documentos que sirvam de suporte a actos preparatórios de decisões legislativas ou de instrumentos de natureza contratual.
4 – A recusa do acesso às fontes de informação por parte de algum dos órgãos ou entidades referidos no n.º 1 deve ser fundamentada nos termos do artigo 125.º do Código do Procedimento Administrativo e contra ela podem ser utilizados os meios administrativos ou contenciosos que no caso couberem.
5 – As reclamações apresentadas por jornalistas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos contra decisões administrativas que recusem acesso a documentos públicos ao abrigo da Lei n.º 65/93, de 26 de Agosto, gozam de regime de urgência.
Artigo 9.º
Direito de acesso a locais públicos
1- Os jornalistas têm o direito de acesso a locais abertos ao público desde que para fins de cobertura informativa.
2 – O disposto no número anterior é extensivo aos locais que, embora não acessíveis ao público, sejam abertos à generalidade da comunicação social.
3 – Nos espectáculos ou outros eventos com entradas pagas em que o afluxo previsível de espectadores justifique a imposição de condicionamentos de acesso poderão ser estabelecidos sistemas de credenciação de jornalistas porórgão de comunicação social.
4 – O regime estabelecido nos números anteriores é assegurado em condições de igualdade por quem controle o referido acesso.
Artigo 10.º
Exercício do direito de acesso
1 – Os jornalistas não podem ser impedidos de entrar ou permanecer nos locais referidos no artigo anterior quando a sua presença for exigida pelo exercício da respectiva actividade profissional, sem outras limitações além das decorrentes da lei.
2 – Para a efectivação do exercício do direito previsto no número anterior, os órgãos de comunicação social têm direito a utilizar os meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua actividade.
3 – Nos espectáculos com entradas pagas, em que os locais destinados à comunicação social sejam insuficientes, será dada prioridade aos órgãos de comunicação de âmbito nacional e aos de âmbito local do concelho onde se realiza o evento.
4 – Em caso de desacordo entre os organizadores do espectáculo e os órgãos de comunicação social, na efectivação dos direitos previstos nos números anteriores, qualquer dos interessados pode requerer a intervenção da Alta Autoridade para a Comunicação Social, tendo a deliberação deste órgão natureza vinculativa e incorrendo em crime de desobediência quem não a acatar.
5 – Os jornalistas têm direito a um regime especial que permita a circulação e estacionamento de viaturas utilizadas no exercício das respectivas funções, nos termos a estabelecer por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da administração interna e da comunicação social.
Artigo 11.º
Sigilo profissional
1 – Sem prejuízo do disposto na lei processual penal, os jornalistas não são obrigados a revelar as suas fontes de informação, não sendo o seu silêncio passível de qualquer sanção, directa ou indirecta.
2 – Os directores de informação dos órgãos de comunicação social e os administradores ou gerentes das respectivas entidades proprietárias, bem como qualquer pessoa que nelas exerça funções, não podem, salvo com autorização escrita do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas ou quaisquer documentos susceptíveis de as revelar.
3 – Os jornalistas não podem ser desapossados do material utilizado ou obrigados a exibir os elementos recolhidos no exercício da profissão, salvo por mandado judicial e nos demais casos previstos na lei.
4 – O disposto no número anterior é extensivo às empresas que tenham em seu poder os materiais ou elementos ali referidos.
Artigo 12.º
Independência dos jornalistas e cláusula de consciência
1 – Os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir ou subscrever opiniões nem a desempenhar tarefas profissionais contrárias à sua consciência, nem podem ser alvo de medida disciplinar em virtude de tal recusa.
2 – Em caso de alteração profunda na linha de orientação ou na natureza do órgão de comunicação social, confirmada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social a requerimento do jornalista, apresentado no prazo de 60 dias, este poderá fazer cessar a relação de trabalho com justa causa, tendo direito à respectiva indemnização, nos termos da legislação laboral aplicável.
3 – O direito à rescisão do contrato de trabalho nos termos previstos no número anterior deve ser exercido, sob pena de caducidade, nos 30 dias subsequentes à notificação da deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que deve ser tomada no prazo de 30 dias após a solicitação do jornalista.
4 – Os jornalistas podem recusar quaisquer ordens ou instruções de serviço com incidência em matéria editorial emanadas de pessoa não habilitada com título profissional ou equiparado.
Artigo 13.º
Direito de participação
1 – Os jornalistas têm direito a participar na orientação editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem, salvo quando tiverem natureza doutrinária ou confessional, bem como a pronunciar-se sobre todos os aspectos que digam respeito à sua actividade profissional, não podendo ser objecto de sanções disciplinares pelo exercício desses direitos.
2 – Nos órgãos de comunicação social com mais de cinco jornalistas, estes têm o direito de eleger um conselho de redacção, por escrutínio secreto e segundo regulamento por eles aprovado.
3 – As competências do conselho de redacção são exercidas pelo conjunto dos jornalistas existentes no órgão de comunicação social, quando em número inferior a cinco.
4 – Compete ao conselho de redacção:
a) Cooperar com a direcção no exercício das funções de orientação editorial que a esta incumbem;
b) Pronunciar-se sobre a designação ou demissão, pela entidade proprietária, do director, bem como do subdirector e do director-adjunto, caso existam, responsáveis pela informação do respectivo órgão de comunicação social;
c) Dar parecer sobre a elaboração e as alterações ao estatuto editorial;
d) Pronunciar-se sobre a conformidade de escritos ou imagens publicitárias com a orientação editorial do órgão de comunicação social;
e) Pronunciar-se sobre a invocação pelos jornalistas do direito previsto no n.º 1 do artigo 12.º;
f) Pronunciar-se sobre questões deontológicas ou outras relativas à actividade da redacção;
g) Pronunciar-se acerca da responsabilidade disciplinar dos jornalistas profissionais, nomeadamente na apreciação de justa causa de despedimento, no prazo de cinco dias a contar da data em que o processo lhe seja entregue.
Artigo 14.º
Deveres
Independentemente do disposto no respectivo código deontológico, constituem deveres fundamentais dos jornalistas:
a) Exercer a actividade com respeito pela ética profissional, informando com rigor e isenção;
b) Respeitar a orientação e os objectivos definidos no estatuto editorial do órgão de comunicação social para que trabalhem;
c) Abster-se de formular acusações sem provas e respeitar a presunção de inocência;
d) Não identificar, directa ou indirectamente, as vítimas de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, bem como os menores que tiverem sido objecto de medidas tutelares sancionatórias;
e) Não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em função da cor, raça, religião,nacionalidade ou sexo;
f) Abster-se de recolher declarações ou imagens que atinjam a dignidade das pessoas;
g) Respeitar a privacidade de acordo com a natureza do caso e a condição das pessoas;
h) Não falsificar ou encenar situações com intuitos de abusar da boa fé do público;
i) Não recolher imagens e sons com o recurso a meios não autorizados a não ser que se verifique um estado de necessidade para a segurança das pessoas envolvidas e o interesse público o justifique.
CAPÍTULO III
Dos directores de informação, correspondentes e colaboradores.
Artigo 15.º
Directores de informação
1 – Para efeitos de garantia de acesso à informação, de sujeição às normas éticas da profissão e de incompatibilidades, são equiparados a jornalistas os
indivíduos que, não preenchendo os requisitos fixados no artigo 1.º, exerçam, contudo, de forma efectiva e permanente, as funções de direcção do sector informativo de órgão de comunicação social.
2 – Os directores equiparados a jornalistas estão obrigados a possuir um cartão de identificação próprio, emitido nos termos previstos no Regulamento da Carteira Profissional de Jornalista.
Artigo 16.º
Correspondentes locais e colaboradores
Os correspondentes locais, os colaboradores especializados e os colaboradores da área informativa de órgãos de comunicação social regionais ou locais, que exerçam regularmente actividade jornalística sem que esta constitua a sua ocupação principal, permanente e remunerada, estão vinculados aos deveres éticos dos jornalistas e têm direito a um documento de identificação, emitido pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, para fins de acesso à informação.
Artigo 17.º
Correspondentes estrangeiros
Os correspondentes de órgãos de comunicação social estrangeiros em Portugal estão vinculados aos deveres éticos dos jornalistas e têm direito a um cartão de identificação, emitido pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que titule a sua actividade e garanta o seu acesso às fontes de informação.
Artigo 18.º
Colaboradores nas comunidades portuguesas
Aos cidadãos que exerçam uma actividade jornalística em órgãos de comunicação social destinados às comunidades portuguesas no estrangeiro e aí sediados é atribuído um título identificativo, a emitir nos termos definidos em portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das comunidades e da comunicação social.
CAPÍTULO IV
Formas de responsabilidade
Artigo 19.º
Atentado à liberdade de informação
1 – Quem, com o intuito de atentar contra a liberdade de informação, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da actividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos no presente diploma ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa nos termos do artigo 9.º e dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 10.º, é punido com prisão até 1 ano ou com multa até 120 dias.
2 – Se o infractor for agente ou funcionário do Estado ou de pessoa colectiva pública e agir nessa qualidade, é punido com prisão até 2 anos ou com multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber nos termos da lei penal.
Artigo 20.º
Contra-ordenações
1 – Constitui contra-ordenação, punível com coima:
a) De 100 000$00 a 1 000 000$00, a infracção ao disposto no artigo 3.º;
b) De 200 000$00 a 1 000 000$00, a infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 4.º e a inobservância do disposto no n.º 1 do artigo 8.º, quando injustificada;
c) De 500 000$00 a 3 000 000$00, a infracção ao disposto no n.º 2 do artigo 4.º;
2 – A infracção ao disposto no artigo 3.º pode ser objecto da sanção acessória de interdição do exercício da profissão por um período máximo de 12 meses, tendo em conta a sua gravidade e a culpa do agente.
3 – A negligência é punível.
4 – A instrução dos processos das contra-ordenações e a aplicação das coimas por infracção aos artigos 3.º e 4.º deste diploma é da competência da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
5 – A instrução dos processos das contra-ordenações e a aplicação das coimas por infracção ao artigo 8.º deste diploma é da competência da Alta Autoridade para a Comunicação Social.
6 – O produto das coimas reverte integralmente para o Estado.
Artigo 21.º
Disposição final e transitória
A definição legal da protecção dos direitos de autor dos jornalistas, prevista no artigo 7.º, n.º 3, será aprovada no prazo de 120 dias, precedendo audição das associações representativas dos jornalistas e das empresas de comunicação social interessadas.